segunda-feira, 16 de junho de 2014

O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli

     Segundo a mitologia grega o nascimento de Vênus foi truculento. Cronos enfrentou seu pai Urano, o Deus dos céus e o venceu. O filho mutilou o pai cortando-lhes os testículos e o jogou ao mar. Quando eles caíram na água surgiu uma espuma branca e dali nasceu a deusa Vênus. É evidente, portanto que o título do quadro "O Nascimento de Vênus" de Botticelli é o produto de uma confusão. Botticelli não pintou o nascimento, mas a continuação do mito, quando a deusa Vênus foi impulsionada por uma concha até a Ilha de Cítara por Zéfiro, o vento do oeste, docemente abraçado à Aurora. Em terra a esperava a Primavera, preparada para cobri-la com um manto coberto de flores. Botticelli concebeu a paisagem que rodeia Vênus única e exclusivamente para destacar a sua beleza. Recriou um ambiente lírico e poético em que a grama é como um tapete de veludo, as ondas do mar parecem delicadas escamas e as folhas das árvores têm debruns dourados. Durante o Renascimento italiano que começou no século XV, os artistas consideravam a Idade Média como uma etapa negra, que deveria ser esquecida. Os renascentistas queriam voltar à esplendorosa antiguidade grega e romana. Botticelli foi o primeiro a pintar um quadro mitológico e também foi o primeiro a pintar uma mulher nua que não fosse Eva. Vênus tem a pele de um branco resplandecente que imita o mármore de uma estátua e Botticelli se inspira, por certo, na antiguidade, em uma escultura grega, a Vênus Capitolina, que mostra o mesmo gesto pudico para esconder a sua nudez. Botticelli cria esse corpo fascinante segundo o cânone de harmonia e beleza ideal dos antigos. Naquela época também se pensava que a beleza podia ser traduzida em centímetros. Resultavam de cálculos tão complicados como ter que existir a mesma distância entre os dois mamilos, como entre o busto e o umbigo, e o umbigo e as pernas. O resultado é essa Vênus eternamente atraente, mas no fim das contas uma hábil trapaceira. Porque se tirarmos a venda dos olhos e a olharmos de verdade, veremos que, segundo as leis da proporção, é um autêntico blefe.  Tem o pescoço comprido demais, os ombros caídos, e o jeito como o braço esquerdo cai é estranho. Os Renascentistas estudaram a fundo os gregos e os romanos da antiguidade porque queriam imitá-los. Dizia-se que os antigos apreciavam a existência de um certo movimento como, por exemplo, que os vestidos se movessem ligeiramente. Botticelli tomou isso tão ao pé da letra que com a desculpa do vento Zéfiro, no quadro tudo se agita: as ondas do mar, os galhos das árvores, as rosas que caem.. O cabelo se ajusta à recomendação de que deve se assemelhar às chamas ou então enroscar-se como faria uma serpente. E as pregas dos vestidos são as famosas pregas flutuantes de Botticelli, que não tem nada a ver com a realidade nem tampouco com os clássicos. Botticelli também é muito famoso por gostar de encher os seus quadros de simbolismos, mas ele não deixou nada escrito para podermos entender o significado. Assim, a Aurora anuncia o nascimento do dia da mesma forma que o nascimento de Vênus poderia simbolizar a Aurora da Vida. As rosas que, segundo a mitologia, nasceram quando Vênus pôs os pés em terra firme, nos remetem ao amor, que é alegria, mas que também tem espinhos. A concha sobre a qual chega Vênus simboliza a fertilidade e o prazer dos sentidos. Sua forma lembra o sexo feminino. E como naquela época muitos estudiosos tentavam ligar a cultura clássica com o cristianismo, curiosamente a mesma concha também foi vista como símbolo do batismo. Botticelli além de pintar o primeiro quadro mitológico e o primeiro nu do renascimento, conseguiu uma coisa muito importante: que aquele quadro leigo despertasse uma emoção parecida à que, até então, parecia reservada só aos quadros de temas religiosos.

Fonte: Documentário Pinceladas de Arte

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